Há tantas coisas pela minha casa que às vezes parece que não há mais capacidade para se colocar mais uma agulha dentro. Mas sempre há. Revistas, enfeites, pequenos móveis, porta-retratos, filmes, cd's, livros, penduricalhos, utilidades e inutilidades. Tanta coisa, que sempre me pego esbarrando, tropeçando, como se não conhecesse os caminhos e espaços vazios. Apesar de minhas topadas, tropeços, reclamações e desajeitos; toda essa confusão organizada (e pensada) parece cair bem por aqui. É muita informação, sim. Mas uma informação que realmente cumpre seu propósito.
Entrando aqui, é possível prever quem habita. Eu disse prever, não conhecer. Não que seja óbvio, longe disso. Há também muito mistério em um lugar que abarca muita coisa, pois sempre faltará algo a ser observado. Cada canto representa um pouco, ou dá pistas das mãos e pernas que aqui transitam diariamente. A casa é um grande vestígio do que se é, do que se foi, do que se conheceu, de onde se esteve. Talvez seja por isso que quando viajamos, por melhor que seja a viagem, sentimos falta da familiaridade, do reconhecimento dos espaços vazios e cheios. São diversos objetos ao quais nos identificamos e que nos identificam.
E se é assim mesmo, não seria a casa um grande corpo? Ou o corpo, uma grande casa? Em um corpo, também há mil objetos, as marcas do que se é, de onde se esteve, do que aconteceu. Às vezes, o corpo sente que não suporta mais nada, mas sempre cabe mais alguma coisa, seja uma alegria ou uma decepção. Nele, há espaços vazios e espaços cheios, por isso nem sempre é possível conhecer outro corpo ou o próprio, sem que seja preciso mudar algum móvel de lugar para dar passagem. O corpo tropeça em si mesmo, quebra um enfeite, usa super-bonder e se recoloca no lugar, joga fora o velho, compra algo novo. Ou não. O corpo, às vezes, não nos é suficiente e então queremos bater na porta do outro, pedir licença, ficar para jantar. Às vezes somos bem-vindos, às vezes não.
Enfim, será mesmo essa comparação válida? Se sim, a gente cuida ou descuida do corpo, assim como descuida ou cuida da casa. Se não consertamos uma lâmpada queimada ou um pé da mesa torto, ficaremos no escuro, ou correremos o risco de ficar sem mesa. Por vezes, tiramos férias do corpo também, como quando a gente vai e habita outros corpos ou se esconde no nosso próprio. Mas sempre voltamos, para nos reconhecer.
De acordo com o dicionário, casa é "Edifício destinado à habitação; vivenda.". Então, digo que agora não me resta dúvidas. O corpo é casa. A casa é corpo. Vivemos com o corpo. No corpo. Limpamos, cuidamos, preservamos, enfeitamos, sujamos, reviramos por um objeto perdido,etc. Cada canto, cada pedaço de pele, um vaso quebrado, uma pinta, um detalhe, uma lembrança, uma cicatriz, é um mistério a ser buscado, uma história.