terça-feira, 31 de maio de 2011

Dos lugares que habitamos

Há tantas coisas pela minha casa que às vezes parece que não há mais capacidade para se colocar mais uma agulha dentro. Mas sempre há. Revistas, enfeites, pequenos móveis, porta-retratos, filmes, cd's, livros, penduricalhos, utilidades e inutilidades. Tanta coisa, que sempre me pego esbarrando, tropeçando, como se não conhecesse os caminhos e espaços vazios. Apesar de minhas topadas, tropeços, reclamações e desajeitos; toda essa confusão organizada (e pensada) parece cair bem por aqui. É muita informação, sim. Mas uma informação que realmente cumpre seu propósito. 
Entrando aqui, é possível prever quem habita. Eu disse prever, não conhecer. Não que seja óbvio, longe disso. Há também muito mistério em um lugar que abarca muita coisa, pois sempre faltará algo a ser observado. Cada canto representa um pouco, ou dá pistas das mãos e pernas que aqui transitam diariamente. A casa é um grande vestígio do que se é, do que se foi, do que se conheceu, de onde se esteve. Talvez seja por isso que quando viajamos, por melhor que seja a viagem, sentimos falta da familiaridade, do reconhecimento dos espaços vazios e cheios. São diversos objetos ao quais nos identificamos e que nos identificam.
E se é assim mesmo, não seria a casa um grande corpo? Ou o corpo, uma grande casa? Em um corpo, também há mil objetos, as marcas do que se é, de onde se esteve, do que aconteceu. Às vezes, o corpo sente que não suporta mais nada, mas sempre cabe mais alguma coisa, seja uma alegria ou uma decepção. Nele, há espaços vazios e espaços cheios, por isso nem sempre é possível conhecer outro corpo ou o próprio, sem que seja preciso mudar algum móvel de lugar para dar passagem. O corpo tropeça em si mesmo, quebra um enfeite, usa super-bonder e se recoloca no lugar, joga fora o velho, compra algo novo. Ou não. O corpo, às vezes, não nos é suficiente e então queremos bater na porta do outro, pedir licença, ficar para jantar. Às vezes somos bem-vindos, às vezes não. 
Enfim, será mesmo essa comparação válida? Se sim, a gente cuida ou descuida do corpo, assim como descuida ou cuida da casa. Se não consertamos uma lâmpada queimada ou um pé da mesa torto, ficaremos no escuro, ou correremos o risco de ficar sem mesa. Por vezes, tiramos férias do corpo também, como quando a gente vai e habita outros corpos ou se esconde no nosso próprio. Mas sempre voltamos, para nos reconhecer.
De acordo com o dicionário, casa é "Edifício destinado à habitação; vivenda.". Então, digo que agora não me resta dúvidas. O corpo é casa. A casa é corpo. Vivemos com o corpo. No corpo. Limpamos, cuidamos, preservamos, enfeitamos, sujamos, reviramos por um objeto perdido,etc. Cada canto, cada pedaço de pele, um vaso quebrado, uma pinta, um detalhe, uma lembrança, uma cicatriz, é um mistério a ser buscado, uma história.

domingo, 29 de maio de 2011

A pilha do controle remoto acabou.

A pilha do controle remoto acabou. Numa segunda às duas da manhã. Não tem pilha em casa e não tem onde ir para comprar. Por que uma pilha acabaria às duas da manhã? Ela teve o dia anterior inteiro, e outros dias da semana para fazer isso. Deveria ser proibido. Seria interessante uma lei que proibisse as pilhas de acabarem em horas em que não se pode conseguir outras para sua substituição. Sinto que isso evitaria muitos problemas das pessoas com o mundo. E se eu ficasse muito irritada e resolvesse usar uma bomba atômica só por que a pilha do controle remoto chegou ao fim? E quem vai me dizer depois que não teria sido motivo suficiente? Cada um sabe o tamanho da sua necessidade de ver Televisão. Ok, talvez eu esteja exagerando. Afinal, não foi a água do mundo que acabou ou o sol que nunca mais vai nascer.
Claro, eu posso trocar os canais pela Tv. Mas e se você é daquelas pessoas que fica pulando os canais incansavelmente até surgir algo interesssante para assistir? Acho que não é uma boa solução. Vá ler um livro, você disse, levantando os olhos da sua revista. Se eu quissesse estar lendo um livro, era o que estaria fazendo antes, eu disse. Desculpe, completei. Não se pode ter tudo que quer, nós pensamos. 
Eu levantei, lhe dei um beijo na testa e eu fui ler um livro. 

Foi ele quem comprou as pilhas no dia seguinte.

sábado, 28 de maio de 2011

Sobre tampas e pessoas

Eu tentava ridiculamente abrir a tampa de um creme. Minhas mãos já doíam e eu já havia xingado todas as tampas do mundo. Então você chega, ri e diz: deixa que eu abro. Eu disse que não, que era questão de orgulho. Como seria possível uma tampa não abrir? Elas são feitas para isso, afinal.
Sim, eu estava realmente irritada com aquela situação. E você prosseguiu:
- Para de fazer força; não é força, é jeito.
Essa é uma daquelas frases que todo mundo gosta de falar, mas odeia ouvir. E eu ouvi. Essa frase é uma mentira: tem tampas que precisam de força, tem tampas que precisam de jeito e outras que precisam dos dois. Você acha o que, que todas as tampas do mundo obedecem a algum tipo de regra para a sua abertura? - Eu disse.
Você riu de novo. Eu sentei no sofá, já cansada da minha árdua discussão com a simpática tampa. Talvez ela só não quisesse ser aberta naquele momento, ou nunca,quem vai saber. Às vezes as pessoas não querem conversar, não querem pensar, não querem cantar, sorrir, chorar e muitas outras ações que teriam sido feitas para realizar. Por que não poderia ser o mesmo com as tampas? Ou com uma gaveta que emperra? Então eu coloquei o pote em cima mesa e liguei a Tv.
Parabéns, você ganhou, eu desisto.
Wrak.
Você está na minha frente com o pote em uma mão e a tampa na outra. Eu primeiro lanço um semi olhar de raiva. Eu sabia que você faria isso para provar que conseguia abrir. Mas não, eu ri, e você riu junto.
- Era força; e jeito - você disse.
E nós fomos ver televisão, sem conversar, sem pensar. Só ver televisão.

terça-feira, 24 de maio de 2011

sabor

gosto desse seu gosto
sem desgosto
de gostar
desse sem gosto
gostoso de meu gosto
desgostoso de ti

domingo, 22 de maio de 2011

partida ou destino

eu viajarei
quem sabe, um mês
ou três,
de repente, seis
o tempo,já nem sei
eu não voltarei
não há mais mais vez

vou partir
talvez fugir, sem ti
sorrir por aí, ou ali
em ti, já me
perdi
os passos,
desisti de seguir

por mim, eu vou
no próximo voo
atrás do que eu não sou
em ti, vou de sobrevoo ou
apenas recorro, corro
pr'aquilo que sou
jamais por ti eu vou

viajante, distante
nessa viagem
eu fui distante
contar vantagem
de belas paisagens
de muitas miragens
mirei em ti

quarta-feira, 18 de maio de 2011

opção

eu puxo um cobertor para me proteger do frio, mas e se eu puxasse suas mãos para um abraço?

domingo, 15 de maio de 2011

nada

estava chovendo e você me segurou no colo
para que não molhasse os pés

mal sabia que depois eu me afogaria
sem colo, nas minhas confusões

eu bem que tentei me agarrar
mas minhas mãos seguravam o ar

e ventou

domingo, 8 de maio de 2011

quando eu crescer
serei grande
sábia ,valente
terei sucesso, riquezas
amores mal e bem amados

pois então
eu cresci, nem tanto
também não sei muito
e tenho medo às vezes
riquezas, só algumas da alma
amores, nos tempos vagos

ainda assim,
eu sou tão, mas tão grande
que não caibo em mim
aí vou pr'outros cantos
procurando algum encanto
que me faça caber

às vezes eu dou por mim
num lugar distante, desconhecido
nem sei como cheguei
mas então aprendo mais
sábedoria não é o que ganho
talvez um pouco de destreza

pode acontecer
de algumas marcas ganhar
comigo brigar, fugir, talvez até ferir
tudo isso pra encontrar
coisas que a gente procura
sem nem querer achar

o meu banco
tá falido, quebrado
mas tem espaço de sobra
caso alguém queira sentar junto
porque de riqueza mesmo
só se for ideia pra trocar

ah, e amor, meu bem
isso se arranja, monta, não procura
horas vagas, se inventa, toda hora 
amor, só se for bem amado
então espera aí, meu bem
vou te buscar

quando eu crescer

domingo, 1 de maio de 2011

Atrasado

A cada gole que você bebia, menor meu tempo ficava. Só um café, esse é meu tempo, você disse.
Desculpa se agora todo o antes parece invenção. Pode ser que tenha sido tudo mentira mesmo, mas foi bom, não foi? No fundo, não é isso que importa? Toda mentira tem aquela coisa de querer ser verdade e dizem que o esforço já vale algumas vezes. Vai, confessa que nós mentimos juntos. Confessa que essa sua auto-confiança é só esconderijo. Você sabe que eu não te acho a melhor. Você é instável, exagerada, sincera. Ainda assim eu quero você. E outro gole se vai.
Eu sei o grande problema. O porquê da sua fuga - você não pode me mudar. E você não aceita falhar, você luta, corre, arrisca, mas já não quer mais estrangular a si mesma em vão. E eu sei que não vou mudar você também. Eu odeio quando você me liga só pra dizer que o céu está lindo. Mas eu ainda te procuro.
Me diz, se acabou pra você, pra que aquela foto que você não apagou? Viu, eu sabia. Não, não é jogo sujo. Glup. Glup. Glup. Você me olha com olhar de raiva. Você interpreta bem, muito bem. Você não tem raiva de ninguém, você não consegue, você se esforça, parabéns, mas não consegue.
Você pergunta como vai minha mãe. E agora quer saber se eu prefiro a pipoca doce em cima ou embaixo caso ela seja meio-a-meio. Como assim? Não, não faça isso. Eu odeio quando você pergunta trivialidades no meio de uma conversa importante. Você odeia brigar, eu sei, mas não vamos consertar isso depois. Mais um gole.
Você é uma perda de tempo. Você não compra nem na metade das palavras que esses caras falam pra você ao pé do ouvido. E ainda assim , você ouve todas. Então me ouve, eu também sou um deles. Você só está se divertindo, eu sei. Uma criança é o que você é, acredita em tudo, pergunta tudo. Curiosa. Tá vendo, a culpa é sua e sua curiosidade. Você foi até o quase final, ofereceu o doce e puxou antes da mordida. Mas mesmo assim, fica, por favor. Eu lhe compro vários cafés. Aqui e depois em casa.
Você pede a conta. Eu conto os minutos. Você ainda tem café. E eu não disse nada. Você toma o último gole de nós. Aquilo não era só café. E acabou, desceu frio pela garganta de tanto esperar.
-Está bem.